quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Crônica do Ensaio


Crônica do ensaio: chegada ou partida?


Dia desses fiz uma viagem longa de avião. Estava a noite e por essa razão não pude (como de costume) apreciar a paisagem pela janela da aeronave, uma vez que naquele momento eu só conseguia avistar pontinhos luminosos pelo chão. Confesso que em dias de céu azul, voar me causa um intenso prazer quando percebo que olhando lá de cima o mundo parece bonito e seguro.

Voltando a minha viagem noturna, depois de um início tranqüilo começo a ver clarões, nuvens carregadas e muita água pela janela. No corredor, a luzinha vermelha dos comissários acende com seu indefectível som e percebo que mergulhamos em uma turbulência de arrepiar.

O avião era chacoalhado para direita e para a esquerda, além de balançar bastante. Certamente é a mesma sensação de quem está dentro de um carro em uma estrada de terra muito esburacada. O vento parecia se incomodar com a nossa presença nos céus e nos empurrava com “tapas” que faziam barulho na estrutura do avião.

Dentro, eu procurava me distrair lendo uma revista e procurando idosos e criancinhas pelas poltronas do avião. Sim, porque sempre acreditei que Deus não derruba aviões cheios de “pessoas” indefesas. Avião com celebridade dificilmente cai também! Mas no meu vôo não tinha ninguém famoso. Nessa altura (com pequenos intervalos, a turbulência se estendia por mais de 40 minutos) e eu já nem sabia onde colocava as mãos. A única criança dentro do avião, se divertia com o balanço e ria de tudo. Então tive um acesso existencialista e comecei a pensar e repensar a minha própria vida. E se tudo acabasse agora? Teria valido a pena? Realizei tudo que gostaria de realizar? Cumpri minha missão? E a resposta causou ainda mais turbulência: NÃO!

Não é que eu morreria infeliz. Afinal, já me diverti muito em relação a idade que tenho. A verdade é que não morreria satisfeito. Isso sim! Partiria incomodado porque existem tantas coisas para serem feitas e vividas, lugares nunca visitados, pessoas especiais, que na minha opinião seria na falta de uma melhor palavra: injusto uma partida precoce, mesmo que tudo tenha uma razão de ser.

Comecei então a pensar em grandes pessoas, em grandes nomes que viveram ou vivem de forma longeva como: Ivo Pitanguy, Antônio Ermírio de Moraes e os falecidos Roberto Marinho, Carlos Drumond de Andrade e Paulo Autran. Todos acima dos 80 anos. Não que eu estivesse me comparando com estas figuras únicas e especiais, é que eu estava pensando apenas no melhor ser humano que eu poderia me transformar caso nada acontecesse, e claro, acabei me espelhando no que existe e existiu de melhor.

Enquanto o avião balançava, eu continuei pensando: “e se a vida fosse um longa-metragem, que nome eu daria ao meu filme?” Embora estivesse no meio de uma grande turbulência a resposta me veio clara e transparente, meu filme se chamaria: “Ensaio”. Porque sinto que ainda estou ensaiando para estrear no papel principal da vida: aqueles momentos onde alcançamos grandes realizações, conquistas e consequentemente, experimentamos uma felicidade até então desconhecida.

Na seqüência, me perguntei: é possível interromper um ensaio?! Se você não ensaiar, você não acerta. Concluí o seguinte: um ensaio só é interrompido se o “diretor” da peça julgar que você precisa desempenhar outras funções e te convocar para uma “conversa”, uma mudança de direção. Se for por desejo do “diretor”, a peça pode ser interrompida.

Pensando dessa forma, relaxei dentro do avião e soltei as mãos do encosto da poltrona que quase arranquei, enquanto balançavamos incessantemente. Não que o medo de partir tivesse ido embora. Nesse quesito, eu concordo com uma declaração do Cazuza, em dezembro de 1988, na TV Bandeirantes, extinto programa CARA a CARA com a Marília Gabriela, ele no auge de sua criação e já com os traços físicos que denunciavam o mal que lhe consumia. Depois de uma longa crise pulmonar em Boston e 15 dias em coma, Cazuza revelou na entrevista:

“Depois da crise, não é que eu não tenha mais medo de morrer. O medo de morrer é básico! Mas é que eu gosto tanto de estar vivo, que eu acho que morrer vai ser um desperdício”.

Depois da turbulência, não é que eu tenha mais medo de partir! Mas eu estou há tanto tempo ensaiando, que eu acho que uma conversa agora com o “diretor” seria um desperdício: de tempo, de energia e de vida.

O que eu posso dizer, é que o avião chegou em seu destino, eu tive dias maravilhosos, voltei pra casa com ainda mais energia para continuar ensaiando, já que a estréia da peça se anuncia cada vez mais próxima. E claro, depois de toda essa turbulência (inclusive existencial) algo ficou mais claro: o objetivo não é ser o melhor de todos, e sim, o melhor ser humano que eu puder me transformar. Escrever esta crônica dividindo medos e anseios acreditem, foi um tremendo exercício de crescimento e evolução.


Bjota


Pedra no rio



Pedra no rio...


Viver é sempre imprevisível e arriscado
Mesmo que você não queira sentir
E nem perceber...

Já pensou se Hitler não tivesse sido empossado?
E Stálin não tivesse nascido
O muro da vergonha não seria construído
Não haveria Hiroshima e Nagasáki
A Coréia não seria dividida
Vietcong seria apenas mais um nome
1964 seria apenas mais um ano no calendário
Ditadura, censura, tortura...
Seriam apenas palavras do nosso vocabulário
E não do dia-a-dia....

E se a dívida externa só fosse paga
Se todo nosso ouro fosse devolvido
Será que eles achariam graça?

Se Fidel já tivesse morrido
Che Guevara estivesse vivo
Será que haveria mesmo comunismo?

Quem garante que Buda, Jesus, Zoroastro
Não cometeram nenhum pecado?
Duvidar não é pecado
Pode ter certeza

E se Maomé fosse mesmo humano
E não santo?
Você diria que os meus versos são satânicos?

Se Kennedy tivesse usado capacete?
Cuba fosse invadida?
Estaríamos aqui mesmo?


E se Gêngis Kahn tivesse vencido a muralha?
Se a terra santa fosse repartida
Um único fato
Pode mesmo alterar todo curso da história?

Se todos percebessem que são filhos do mesmo pastor
Osama seria apenas mais um homem de barba
A América seria menos gananciosa
E Bagdá e Beirute seriam lindos cartões postais....


Se Einstein estivesse presente
Você embarcaria numa viagem
Para mudar o seu passado?

Se Lennon não tivesse sido assassinado?
Drumond não tivesse partido
Cazuza resistido
Haveria mais poesia?

Quem garante que Chico, Gil e Caetano
Estão acima de qualquer suspeita?
Pode acreditar
Também existe dúvida na certeza

E se tudo deixasse de ser e fosse
O “se” ainda teria o seu lugar?

Quem garante que gozar do lado de fora
Te salva de um filho antes da hora?
Quem garante que aquela não era a hora?

E se não existisse sapatão, gay ou gilete?
Fosse apenas sexualidade
Você me diria
Quem sem rótulo fica tudo muito chato?

Se o Brasil tivesse sido
Colônia de povoamento
E não de exploração
Haveria tanta fome
Para ser digerida na televisão?


Já imaginou ter Freud, Nietzsche, Sartre
Numa roda de bar?
Será que tantas perguntas
Estariam mesmo no ar?

E se o porão dos navios negreiros
Estivesse repleto de brancos
Você já pensou nos papéis invertidos?

Mesmo que você não queira sentir
E nem perceber
Um único fato
Pode mesmo alterar todo curso da história



Bjota




Avesso do contrário


AVESSO DO CONTRÁRIO

Aceitar tudo que o peito pede
É o oposto do que acontece
Será que na vida
O amor aparece
Mais de uma vez?

O avesso do contrário
Não tem razão de ser
É como nevar em Fortaleza
Que força sustenta as estrelas?
Baby... entender de amor
É se despedir de qualquer certeza


E a lua cheia lá fora
É testemunha
Que as verdades mais incompletas
São ditas, sempre na cama

O avesso do contrário
Não tem razão de ser
É como contar lágrimas na chuva
Quais são os traços da beleza?
Baby... entender de amor
É se despedir de qualquer certeza
Bjota